sábado, setembro 23, 2017

 

O Brasil da "Junk Food"


Trechos da reportagem do Jornal Folha de S. Paulo [1].

Como a indústria viciou o Brasil em junk food (tradução literal: comida lixo)
Com venda de porta em porta e barco patrocinado, empresas de alimentos tentam alcançar até locais isolados
Nos últimos dez anos, a obesidade entre brasileiros dobrou; sobrepeso já afeta mais da metade do país

Celene da Silva, 29 anos, faz parte do contingente de milhares de vendedores de porta em porta que trabalham para a Nestlé. Eles ajudam o maior conglomerado mundial de alimentos processados a ampliar seu alcance e chegar a 250 mil famílias nos recantos mais distantes do Brasil.

Enquanto ela deixava pacotes de Chandelle Paçoca - 100 gramas de pudim dos quais 20 são de açúcar, quase o limite diário máximo recomendado pela Organização Mundial da Saúde -, chocolates Kit Kat, cereal infantil Mucilon, e Nestlé Grego Frutas Vermelhas - 100 gramas de iogurte com 17 gramas de açúcar - nas casas de seus fregueses, uma coisa chamava a atenção neles: muitos, mesmo as crianças pequenas, estavam visivelmente acima do peso. A própria Celene pesa mais de 90 kg e descobriu recentemente que tem pressão alta, condição que  ela reconhece que provavelmente está ligada à sua "quedinha" por frango frito e Coca-Cola, que ela toma em todas as refeições, até no café da manhã.

O exército de profissionais de vendas diretas da Nestlé no Brasil faz parte de uma transformação mais ampla do sistema alimentar. A nova realidade é um fato único e chocante: no mundo hoje há mais obesos do que pessoas abaixo do peso.

Ao mesmo tempo, dizem os cientistas, a disponibilidade crescente de alimentos de alto teor calórico e pobres em nutrientes está gerando um novo tipo de má nutrição, em que cada vez mais pessoas estão ao mesmo tempo acima do peso e subnutridas.

"Para falar em termos simples, essa dieta está nos matando", disse Anthony Winson, que estuda economia política da nutrição na Universidade de Guelph, em Ontário, Canadá.

Hoje existem mais de 700 milhões de obesos no mundo, 108 milhões deles crianças, segundo pesquisa publicada no periódico "New England Journal of Medicine". A prevalência da obesidade dobrou em 73 países desde 1980, contribuindo para 4 milhões de mortes prematuras.

No Brasil, nos últimos dez anos, a obesidade quase dobrou, chegando a 20% da população - o sobrepeso quase triplicou, chegando a 58% da população. Quase 9% das crianças brasileiras eram obesas em 2015, um aumento de mais de 270% desde 1980, segundo estudo recente do Instituto de Métricas e Avaliação da Universidade de Washington.

Pais e mães ocupados alimentam as crianças com alimentos industrializados, frequentemente acompanhados de refrigerantes. Estudos revelam que o arroz, feijão, salada e carnes grelhadas, base da dieta brasileira tradicional, estão sendo abandonados.

À medida que multinacionais intensificam a presença no  mundo em desenvolvimento, elas transformam a agricultura local - agricultores abrem mão do cultivo de variedades de subsistência em favor de cana-de-açúcar, milho e soja (organismos geneticamente modificados), ingredientes básicos de vários alimentos industrializados e "comida" (combustível) de veículos automotores.

No mundo, as vendas de processados subiram 25% e o consumo de fast food, 30% entre 2011 e 2016, segundo estudo da Euromonitor. Mercados em desenvolvimento são importantes nesse cenário. Eles concentram 42% das vendas da Nestlé.

Referência:
[1] Andrew Jacobs e Matt Richtel, Como a indústria viciou o Brasil em junk food, Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Saúde e Ciência, pg. B9, 23 de setembro de 2017.

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