domingo, janeiro 27, 2008

 

Lições do Bambu - 7


A MAIOR QUALIDADE DO BAMBU É O VAZIO INTERIOR


O bambu é uma planta simples, modesta, leve, resistente e flexível. Outro detalhe importante é o fato de ele ter o caule oco, vazio. Se o bambu tivesse o talo maciço, ele seria pesado, rígido e inflexível. Com isso, os taoístas perceberam que é o vazio que garante as qualidades do bambu. O vazio é um dos conceitos fundamentais do pensamento oriental. É porisso que os chineses e japoneses representam-no com tanta freqüência nas suas pinturas e sempre cercado de grandes espaços vazios no papel/tela.

Para a maioria das pessoas, o vazio tem um sentido negativo. Significa nulidade, inexistência, zero. "Pessoa vazia" é identificado como alguém inútil, destituído de inteligência e profundidade. "Cabeça oca" é alguém irresponsável, sem juízo, que não mede as conseqüências. Estar "vazio por dentro" é uma sensação de apatia, de que nada tem sentido, nada é interessante. "Minha vida é um vazio" é afirmação de quem viu o tempo passar sem ter realizado ou vivenciado nada que seja digno de nota ou que dê significado à sua existência.

Para os orientais é o oposto. Se o bambu tem suas virtudes por causa do caule oco, então o vazio tem um sentido positivo. O vazio é a origem de boas qualidades, é algo que se valoriza e permite a existência das coisas. Basta pensarmos de modo inverso: se o copo estiver cheio de farinha, não é possível utilizá-lo para tomar água. Se o elevador estiver lotado, não podemos entrar nele. Se nossa mente estiver entulhada de preocupações e de lixo, não podemos pensar direito. Se a agenda estiver cheia de compromissos, não podemos programar mais nada. Quando se está de "saco cheio", não existe possibilidade de curtir as coisas e as pessoas. Mas, se o copo estiver vazio, podemos colocar qualquer líquido que quisermos dentro dele. Se a mente estiver livre, podemos resolver os problemas sem aperto. Se a agenda tiver alguns momentos vagos, nosso dia-a-dia não será tão atropelado e podemos encaixar alguns compromissos de última hora ou aproveitar as brechas para fazer algo que nos dê prazer. Quando não estamos de "saco cheio", ou seja, quando estamos receptivos (vazios), podemo-nos relacionar de modo mais gratificante com todo mundo.

O vazio é uma necessidade. Ao fim de um dia exaustivo de trabalho, com clientes, colegas e fornecedores maçantes, prazos estourados e um congestionamento irritante no trânsito, tudo que queremos é chegar em casa, esticar as pernas no sofá, colocar uma música e esvaziar a mente. E qual é o objetivo da meditação, não importa de qual tradição seja, senão o de buscar a paz interior? Meditar é ir ao encontro do vazio.

Uma pessoa pretensiosa é toda "cheia de si" e ninguém gosta de estar ao lado de alguém assim. Todos gostam de conviver com pessoas modestas, receptivas, sem preconceitos, sem mania de ter resposta para tudo. Enfim, com pessoas "vazias", no sentido taoísta da palavra.

É desta forma que os sábios antigos viam o vazio. Não pela ausência, mas sim pelas possibilidades que ele abre, pelos benefícios que ele traz. É uma visão positiva e não negativa.

Um antigo texto chinês, o Tao Te Ching, diz: "O vaso é feito de argila, mas é o vazio que o torna útil. Abrem-se portas e janelas nas paredes de uma casa, mas é o vazio no seu interior que a torna habitável". De fato, num vaso, o que importa é o espaço vazio e não o formato ou o material do qual é feito. É no vazio do vaso que se coloca terra ou líquido, e não em suas paredes de contorno. Numa casa, moramos no espaço vazio entre as paredes e não nas paredes. Ninguém mora na parede da casa.

O planeta Terra é a nossa casa cósmica. Moramos no telhado dessa nossa casa. Seres humanos mais evoluídos (mais sábios) moram dentro dessa casa, no vazio interior de nossa Terra Oca...

Fonte: Roberto Otsu, A Sabedoria da Natureza: Taoísmo, I Ching, Zen e os Ensinamentos Essênios, Editora Ágora, 2006.

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