terça-feira, maio 28, 2024

 

Sobre Leonardo da Vinci (1452 - 1519)

 Fonte consultada: Walter Isaacson, Leonardo da Vinci, 1. ed. - Rio de Janeiro; Editora Intrínseca, 2017. ISBN: 978-85-510-0257-5.




Para uma referência temporal, o Brasil foi descoberto pelos portugueses no ano de 1500.  Leonardo da (localidade de) Vinci, nasceu em Vinci em 1452 e foi morar em Florença em 1464, em Milão em 1482, novamente em Florença em 1500, novamente em Milão em 1506, em Roma em 1513 e na França em 1516, onde morreu em 1519. Era filho de Ser Piero da Vinci com Caterina Lippi.

Leonardo se sentia confortável com o fato de ser um tanto desajustado: filho ilegítimo (bastardo), gay (nunca se casou), vegetariano, canhoto (escrevia de forma espelhada, vista corretamente com um espelho), muito disperso e, às vezes, herético.

Uma anotação em um de seus cadernos: "Um homem que pratique coito de forma agressiva e apreensiva produzirá filhos irritadiços e desonestos, mas, se o coito for praticado com grande amor e desejo de ambas as partes, os filhos serão dotados de um grande intelecto, serão espirituosos, joviais e adoráveis".

Leonardo foi basicamente um autodidata. Disse: "Os objetos de minhas investigações requerem experiência, e não as palavras de outras pessoas" e "A paixão intelectual extingue a sensualidade".

Na época de Leonardo, o florim (de Florença), conhecido pela pureza de seu ouro, era a moeda-padrão em toda a Europa e cerca de um terço da população de Florença era alfabetizada, a taxa mais alta da Europa.  A catedral de Florença era a mais bela da Itália. Na década de 1430, ela foi coroada com o maior domo da Europa, constuído pelo arquiteto Filippo Brunelleschi, um triunfo tanto da arte quanto da engenharia. A cúpula da catedral - uma estrutura autoportante de quase quatro milhões de tijolos - é, até hoje, a maior cúpula de alvenaria do mundo. Quando Leonardo lá chegou, a população de Florença era de quarenta mil pessoas, mais ou menos o número que manteve por um século, porém bem abaixo das cerca de cem mil que viveram ali em 1300, antes da Peste Negra e das ondas de epidemia subsequentes.

Os produtores teatrais fiorentinos criaram mecanismos engenhosos chamados ingegni para mudar cenários, mover adereços de forma assombrosa e transformar palcos em pinturas vivas. Daí derivaram as palavras engenharia, engenheiro e engenho.

Leonardo sentia-se romântica e sexualmente atraído por homens (sexualidade passiva) e, ao contrário de Michelangelo (seu contemporâneo), parecia não se incomodar com isso.

Segundo Leonardo, "os olhos são as janelas da alma", "os movimentos da alma são conhecidos através dos movimentos do corpo". Os movimentos do corpo devem ser o anúncio dos movimentos da mente. Leonardo se tornou vegetariano devido à paixão que sentia por todas as criaturas. "Ele preferia vestir-se com linho, para não usar algo morto". Os cadernos de Leonardo contêm passagens literárias condenando o consumo de carne.

Conforme envelhecia, Leonardo passou a cultivar uma longa barba, que "chegava até o meio do peito e era bem-ajeitada e cacheada".

"A natureza deu sensibilidade à dor aos organismos vivos com poder de movimento a fim de preservar as partes que podem ser destruídas pelo movimento", escreveu. "A dor não é necessária às plantas".

Leonardo fez inúmeras medições do corpo humano chegando a conclusões deste tipo:

- O comprimento dos dois braços de um homem é igual a altura do homem.

- A distância entre a linha do cabelo e a ponta do queixo é de um décimo da altura do homem.

- A distância entre a parte inferior do queixo e o topo da cabeça é de um oitavo da altura do homem.

- A distância entre a parte superior do peito até o topo da cabeça é de um sexto da altura do homem.

- A distância entre a parte superior do peito até a linha do cabelo é de um sétimo da altura do homem.

- A largura máxima dos ombros é de um quarto da altura do homem.

- A distância entre o peito e o topo da cabeça é de um quarto da altura do homem.

- A distância entre o cotovelo e a ponta dos dedos é de um quarto da altura do homem.

- A distância entre o cotovelo e a axila é de um oitavo da altura do homem.

- O comprimento da mão é de um décimo da altura do homem.

- A raiz do pênis fica no meio da altura do homem.

- O pé possui um sétimo da altura do homem

- Entre o umbigo e os genitais há um rosto de comprimento...

Essas proporções estão mostradas no seu "O Homem Vitruviano".

O homem vitruviano de Leonardo.

Leonardo procurava identificar padrões na natureza e teorizá-los por meio de analogias. Como exemplo, ele fez uma correlação entre os galhos de uma árvore e as artérias do corpo humano, analogia que ele também aplicava aos rios e seus alluentes. "Todos os galhos de uma árvore, ao longo de sua altura, quando postos lado a lado, mostram-se iguais em espessura ao tronco que os sustenta", escreveu. "Todos os afluentes de um rio, ao longo de seu curso, se possuem a mesma rapidez, são iguais ao corpo da corrente principal". Esta conclusão ainda hoje é conhecida como "a regra de Da Vinci", e se mostrou verdadeira em situações em que os galhos não são muito espessos: o total da área de corte transversal de todos os galhos em um ponto é igual à área de corte transversal do tronco ou de galhos logo abaixo deste ponto.

As conexões que Leonardo fazia entre disciplinas serviam de guia para suas investigações. A analogia entre redemoinhos na água e turbulência no ar, por exemplo, forneceu a estrutura para estudar o voo dos pássaros.

Uma observação importante feita por ele acabou auxiliando tanto seus estudos sobre o voo quanto os sobre o fluxo das águas. "A água não pode ser comprimida como o ar". Em outras palavras, uma asa se debatendo compactará o ar em um espaço menor e, como resultado, a pressão do ar debaixo da asa será maior do que a pressão do ar rarefeito acima dela. "Se o ar não pudesse ser comprimido, os pássaros não seriam capazes de sustentar a si mesmos no ar que é golpeado por suas asas". A batida de asas para baixo empurra o pássaro para cima e para a frente.

Ele também descobriu que a pressão que o pássaro exerce sobre o ar é correspondida por uma pressão igual e oposta que o ar exerce sobre o pássaro: "A mesma força exercida pelo objeto sobre o ar é exercida pelo ar sobre o objeto". Duzentos anos depois, Newton formularia uma versão mais refinada dessa ideia em sua terceira lei do movimento: "Para toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade".

De forma ainda mais premonitória, ele fez uma indicação do que viria a ser conhecido, mais de duzentos anos depois, como o princípio de Bernoulli: quando o ar (ou qualquer fluido) corre mais depressa, ele exerce menos pressão. Leonardo desenhou um corte transversal da asa de um pássaro, mostrando que a parte superior dela é mais curvada do que a inferior (isso também se aplica às asas de um avião, que segue o mesmo princípio). O ar que passa pela parte superior e curvada da asa precisa percorrer um caminho mais longo do que o ar que passa pela parte inferior. Dessa forma, o ar que passa pela parte de cima precisa se deslocar mais depressa. A diferença de velocidade faz com que o ar que passa pela parte de cima da asa exerça menos pressão  do que aquele na parte de baixo, ajudando assim o pássaro (ou o avião) a voar. "O ar que passa acima dos pássaros é menos denso do que o comum", escreveu. 

A conclusão a que Leonardo chegou de que não há linhas visíveis delimitando de forma precisa os contornos na natureza foi impulsionada pelas observações que ele fez como pintor e pelo seu conhecimento matemático. Entretanto, havia outro motivo: seu estúdo da óptica. A princípio ela havia pensado, assim como os outros, que os raios de luz convergiam em um único ponto dentro do olho. Contudo, logo passou a se sentir desconfortável com essa ideia, pois um ponto, assim como uma linha, é um conceito matemático sem tamanho ou existência física no mundo real. "Se todas as imagens que chegam ao olho convergissem em um ponto matemático, que já se provou ser indivisível, então todas as coisas no universo pareceriam uma coisa só, indivisível", ponderou. "Os verdadeiros contornos dos corpos opacos jamais são vistos com precisão", escreveu. "Isso acontece porque a faculdade visual não se concentra em um ponto; ela está difusa por toda extensão da pupila [na realidade, da retina] do olho."

Leonarndo no estudo da perspectiva: "Existem três ramos da perspectiva", escreveu. "O primeiro lida com a aparente diminuição dos objetos à medida que se afastam do olho (...) O segundo aborda a maneira como as cores variam conforme se afastam do olho. O terceiro trata da forma como os objetos em uma pintura tendem a ser menos detalhados à medida que vão ficando mais distantes."

Enquanto Leonardo não demonstrava interesse pessoal na prática religiosa, Michelangelo era um cristão fervoroso que se via torturado em meio ao êxtase e a agonia da fé. Ambos eram gays, mas Michelangelo era atormentado por isso e aparentemente havia se imposto o celibato, enquanto Leonardo estava bem confortável com a ideia de ter companhias masculinas e não fazia segredo disso. Leonardo gostava muito de roupas, desfilando túnicas curtas e coloridas e mantos forrados com pele, já Michelangelo era asceta tanto no vestir quanto no agir - dormia no ateliê empoeirado, raramente tomava banho ou tirava os sapatos de pele de cachorro e se alimentava de cascas de pão.

"Músculos sempre começam e terminam em ossos, conectando-se uns aos outros", escreveu. "Eles nunca começam e terminam no mesmo osso porque, dessa forma, nada poderia se mover." No fim das contas, tudo se resume a um engenhoso mecanismo de partes móveis: "As juntas entre os ossos obedecem aos tendões, os tendões obedecem aos músculos e os músculos aos nervos."

Platão escreveu, em Timeu, que assim como o corpo é alimentado pelo sangue, a Terra precisa da água para se manter viva. Leonardo, fazendo a conexão do microcosmo com o macrocosmo, escreveu: "O corpo terrestre, assim como os corpos dos animais, possui ramificações de veias interligadas, que estão reunidas e foram constituídas para dar sustento e vida à Terra e a todas as suas criaturas". Em seguida, acrescentou: "Sua carne é o solo; seus ossos são a disposição da conexão das rochas das quais as montanhas são compostas; sua cartilagem é a rocha porosa; em seus vasos sanguíneos corre a água."

Durante o período em Roma, ele se envolveu com matemática e técnicas de confecção de espelhos côncavos, em especial os de grandes dimensões. Seu interesse estava relacionado aos estudos de astronomia: Leonardo buscava maneiras de observar melhor a Lua. Entretanto, ele estava sobretudo interessado em usar espelhos para concentrar a luz do Sol, convertendo-a em calor. Ele ainda se considerava um engenheiro militar, e os espelhos poderiam ser usados como armas, como Arquimedes fizera contra os navios dos romanos que atacabam Siracusa.

A pintura mais famosa de Leonardo foi a Mona Lisa (Mona é uma contração de Madonna), também chamada de La Gioconda (Giocondo era o nome do marido dela, que contratou a obra mas nunca a recebeu). A tela foi iniciada em 1503, mas ainda estava em seu ateliê quando ele morreu em 1519.



Conclusão:

Leonardo escreveu que nenhum momento é independente, assim como nenhuma ação em um espetáculo teatral e nenhuma gota nas águas correntes de um rio. Cada momento incorpora aquilo que vem antes dele e também o que vem depois.

O que fez de Leonardo um gênio e o diferenciou do restante das pessoas que são apenas extraordinariamente inteligentes foi a criatividade, a habilidade de aplicar a imaginação ao intelecto. A facilidade em combinar observação com fantasia permitiu que ele criasse saltos inesperados relacionando coisas existentes com outras jamais vistas. "Talento é acertar um alvo que ninguém acerta. Genialidade é acertar um alvo que ninguém v^", afirmou o filósofo alemão Arthur Schopenhauer. Como "pensam diferente", pessoas extremamente criativas são, às vezes, vistas como desajustadas, porém, nas palavras que Steve Jobs ajudou a escrever para um anúncio da Apple: "Enquanto alguns os veem como loucos, nós vemos como gênios. Porque as pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem mudar o mundo são as que, de fato, o mudam."

O que também distinguia a genialidade de Leonardo era sua natureza universal. O mundo produziu outros pensadores mais profundos, ou mais lógicos, e vários mais práticos, mas nenhum deles foi tão criativo em tantos campos. Alguns indivíduos são geniais em uma área específica, como Mozart na música, ou Euler na matemática, mas o brilhantismo de Leonardo se estendia por várias disciplinas, o que o fez desenvolver uma percepção aguçada para os padrões e contracorrentes da natureza. Sua curiosidade fez com que ele se tornasse uma das raras pessoas na história a procurar saber tudo que era possível saber sobre tudo que havia para se saber. Por exemplo: ele explicou a reflexão da luz da Terra pela Lua; isto fundamenta uma teoria atual de que a Lua funciona como um espelho para a Terra e, portanto, vemos hoje na Lua um mapa real da Terra e não aquele que nos é ensinado nas escolas.

Leonardo foi um autodidata, alguém que trabalhou para pavimentar o seu caminho ruma à genialidade. Então, mesmo que jamais sejamos capazes de equiparar seus talentos, podemos aprender com ele e tentar ser um pouco mais como ele era. Suas lições:

1. Seja curioso, incansavelmente curioso.
2. Busque o conhecimento pelo simples prazer da busca. Nem todo o conhecimento precisa ser útil; às vezes ele pode ser perseguido por puro prazer.
3. Observe a capacidade das crianças de se maravilhar. Precisamos tomar o cuidado de nunca deixar nossa criança interior crescer ou permitir que isso aconteça com nossos filhos.
4. Observe. O maior talento de Leonardo era a habilidade aguçada para observar o mundo.
5. Comece pelos detalhes. Em um caderno, Leonardo compartilhou um de seus truques para realizar uma observação cuidadosa: faça por partes, começando pelos detalhes.
6. Veja o que está invisível.
7. Mergulhe no desconhecido.
8. Distraia-se.
9. Respeite os fatos. Leonardo foi o precursor da era dos experimentos observacionais e do pensamento crítico. Quando tinha uma ideia, ele criava uma maneira de testá-la. E, quando a experiência mostrava que a teoria estava errada, ele abandonava a teoria e elaborava outra. Se quisermos ser mais parecidos com Leonardo, não podemos ter medo de mudar de ideia conforme novas informações vão surgindo.
10. Procrastine. Quando ele trabalhava em A Última Ceia, Leonardo às vezes ficava olhando para a pintura por uma hora, dava uma mísera pincelada e, em seguida, ia embora. Ele disse, certa vez, que a criatividade demandava tempo para que as ideias se apurassem e as intuições se firmassem. Explicou: "Homem de intelecto elevado às vezes obtêm seus maiores avanços quando trabalham menos, uma vez que suas mentes, então, ocupam-se com as ideias e com o aperfeiçoamento dos conceitos aos quais posteriormente darão forma." A maioria de nós não precisa de nenhum incentivo para procrastinar; fazemos isso naturalmente. Mas procrastinar como Leonardo dá muito trabalho: o processo envolve reunir todas as informações e ideias sobre um determinado assunto e só então deixar que essa grande coleção fermente.
11. Faça com que o perfeito seja o inimigo do que é apenas bom.
12. Pense visualmente.
13. Evite fechar horizontes. Leonardo tinha uma mente aberta, que perambulava alegremente por todas as disciplinas da arte, da ciência, da engenharia e das humanidades. Ele sabia que a arte era uma ciência e que a ciência era uma arte.
14. Alimente sua fantasia.
15. Crie para você, não só para os patronos.
16. Trabalhe em conjunto com outros. A genialidade se origina de um brilhantismo individual, ela necessita de uma visão singular. No entanto, para executá-la, em geral é necessário trabalhar com outras pessoas, em uma equipe.
17. Faça listas. E coloque muitos itens estranhos nelas. As listas de coisas a fazer de Leonardo são os maiores tributos à pura curiosidade que o mundo já viu.
18. Faça anotações - no papel! Quinhentos anos depois, os cadernos de Leonardo ainda estão por aí para nos surpreender e nos inspirar. Daqui a cinquenta anos, nossos próprios cadernos, se levarmos a sério a iniciativa de começar a preenchê-los, estarão por aí para surpreender e inspirar nossos netos, ao contrário de nossos tuítes e posts no Facebook.
19. Esteja aberto ao mistério. Nem tudo precisa de linhas bem definidas.

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