quarta-feira, novembro 03, 2010

 

O Ídolo


Deus não pode ser reduzido a uma imagem, e este é um dos fundamentos da experiência Sufi.

A visão Sufi diz: Deus não pode ser reduzido a qualquer imagem, metáfora, símbolo ou sinal, embora a mente humana tenha tentado, através dos tempos, reduzir Deus a algo que o ser humano possa venerar, manusear e enfrentar. Este tem sido um dos desejos mais antigos da mente humana: colocar Deus nas categorias humanas, de tal modo que ele possa ser manejado, manipulado e estar em suas mãos.

Na experiência Sufi isso é um sacrilégio, um pecado. O esforço de reduzir Deus a uma imagem se dá para falsificar a realidade.

Em primeiro lugar, por que desejamos que Deus seja reduzido a um ídolo? A própria enormidade da existência os desconcerta. Com essa infinidade, sentimos que estamos caindo num abismo. Pelo medo, o ser humano cria um Deus, um Deus pequeno, pequeno como o homem. Pelo medo, o ser humano cria Deus à sua imagem, e então ele se sente à vontade. Com a enormidade da existência, para se sentir à vontade você terá de desaparecer. Ou desapareça na infinidade da existência ou crie um Deus manipulável. Crie um templo em sua casa, deixe que Deus seja reduzido a uma imagem - então você pode esquecer a enormidade, a grande magnitude, a imensidão.

Por causa do silêncio eterno da existência, o ser humano deseja criar uma canção para cantar. A canção pode ser dos Vedas ou do Alcorão, não importa. O som é consolador, o silêncio é amedrontador. A imagem parece humana, parte do nosso mundo. O Deus sem imagem é super-humano, está além de nós. Se não formos além de nós mesmos, não poderemos encontrar o verdadeiro Deus. Para evitar esse encontro e essa transcendência, criamos por conta própria um Deus pequeno. Começamos a ter diálogos com nosso Deus criado, construído, manufaturado pela mente humana. Nós adoramos, oramos, fazemos rituais e ficamos felizes. Isso é uma espécie de sonho, não é entrar na realidade. Seus templos são barreiras para Deus, não portas. Elas fingem ser portas, mas não são. E seus modelos, suas imagens, suas filosofias, seu contínuo esforço de preencher o vazio da existência com palavras, filosofias e sistemas nada mais são do que criar uma falsa segurança à sua volta.

Deus é insegurança. Estar com ele é estar constantemente em perigo, penetrar nele é penetrar no desconhecido e no incognoscível. Isso amedronta, assusta. A pessoa começa a se perder e deseja se conter e não investigar a enormidade. Portanto, são de grande ajuda esses pequenos deuses criados por você mesmo ou pelos seus sacerdotes, a partir de sua esperteza, astúcia e perícia. Eles são falsos porque você os criou.

O verdadeiro Deus é aquele que criou você, e o falso Deus é aquele que você criou. Este é um dos insights fundamentais do Sufismo: o templo deve estar vazio, vazio de tudo feito pelo ser humano. A prece deve ser silenciosa, silenciosa de tudo que o ser humano fabricou nas palavras. A prece pode ser somente um diálogo - sem palavras, silenciosa - com a infinidade. Ela pode ser somente um desaparecimento de sua parte. Você pode somente se dissolver, se derreter, se fundir.

Porém, para estar disposto a isso, grande coragem é necessária. E o ser humano está sempre feliz com brinquedos. Todos os seus ídolos são brinquedos - esteja alerta com este fato. E o ser humano é tão esperto: ele pode criar grandes filosofias à volta de suas falsidades. Ele pode defender, argumentar, racionalizar e criar tamanhas nuvens de lógica que você pode ficar perdido nessas nuvens. É dessa maneira que a humanidade está perdida. Alguém está perdido nas nuvens cristãs, alguém nas nuvens muçulmanas, alguém nas hindus. Contudo, se você for fundo nelas, elas são todas especulativas, enunciações lógicas, filosóficas, sobre e sobre... Mas a verdade não se reflete nelas. A verdade se reflete somente numa consciência meditativa, e não numa especulativa - jamais. No momento em que você pensa, você se extravia. A verdade se reflete somente quando você está num estado de não-pensamento, quando nada se agita em você, quando não existe nem mesmo uma pequena onda em seu lago de consciência; então a verdade se reflete em você, e essa verdade não tem imagem. Essa verdade é amorfa e sem nome.

Lao Tzu diz: "Não sei Seu nome - ninguém sabe -, portanto O chamarei de Tao". Até os muçulmanos criaram seus próprios ídolos. Parece que a mente humana não pode resistir a essa tentação. Agora Caaba e sua pedra negra se tornaram o ídolo.

Você pode chamar algo de conhecimento. Se o conhecimento for possível (pois existe também o incognoscível), então o estado anterior ao conhecimento é a ignorância, mas se o conhecimento for impossível, então o estado anterior a ele não pode ser chamado de ignorância. A ignorância é ignorância somente quando comparada ao conhecimento.

Os Sufis não chamam o estado do ser humano de ignorância, mas de inocência. E a inocência é destruída pelo conhecimento. Você não se torna um conhecedor, mas sua inocência é simplesmente destruída - o que é uma perda, não um ganho, pois Deus pode ser sentido através da inocência, nunca através do conhecimento.

[continua]

Fonte: Osho, A Sabedoria das Areias - Discurso sobre o Sufismo, Vol. II, Editora Gente, 1999. ISBN 85-7312-133-5.

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