domingo, julho 30, 2023

 

Crianças e Alexandre, o Grande


A criança não nasce com ego. O ego é ensinado pela sociedade, através da religião, através da cultura. Qualquer um já observou que os bebês não dizem: "Estou com fome". Se o nome do bebê é Bob, ele diz: "Bob está com fome. Bob quer ir ao banheiro". Ele não tem a noção do que quer dizer "eu". Ele indica a si mesmo na terceira pessoa. Bob é como as pessoas o chamam, então ele também chama a si mesmo de Bob. Mas vai chegar o dia... à medida que ele cresce, em que vão começar a ensinar a Bob que isso não está certo. "Bob é o nome que os outros usam para chamar você, e você tem que parar de chamar a si mesmo de Bob. Você é um indivíduo, você tem de aprender a chamar a si mesmo de 'eu'".

No dia em que Bob se torna "eu", o bebê perde a realidade de ser e cai no poço abissal escuro de uma alucinação. Ao chamar a si mesmo de "eu", passa a operar uma energia totalmente diferente. Agora, o "eu" quer crescer, quer se tornar grande, quer isso, quer aquilo. Quer subir cada vez mais no mundo das hierarquias. O "eu" quer um imperativo territorial maior.

Se alguém tem um "eu" maior que o do outro, isso cria um complexo de inferioridade nesse outro. O homem faz todo o esforço para ser superior ao outro, mais santo do que o outro, maior do que o outro. Agora sua vida toda é dedicada a uma coisa estúpida que, em primeiro lugar, não existe. Ele está em um caminho de sonho. Vai continuar a se mover, tornando o seu "eu" maior, cada vez maior. E é isso que cria quase todos os seus problemas.

Até mesmo Alexandre, o Grande, teve problemas enormes nesse sentido. O "eu" dentro dele queria ser o conquistador do mundo, e quase o conquistou. Ele não era muito velho quando morreu, tinha apenas 33 anos. No entanto, nesses 33 anos ele simplesmente lutou, lutou e lutou. E ficou doente, entediado com luta, matança, assassinatos, sangue. Queria voltar para casa e descansar, e nem mesmo isso conseguiu. Não conseguiu chegar à sua casa em Atenas. Morreu na véspera do dia previsto para chegar lá, uma vez que Atenas estava a apenas 24 horas de distância.

Mas toda a sua experiência de vida, que envolveu ficar mais rico, maior, cada vez mais poderoso e, depois, o fato de também sentir uma impotência absoluta, nem mesmo isso foi capaz de postergar sua morte por 24 horas... Ele tinha prometido à mãe que, depois que tivesse conquistado o mundo, ele voltaria e colocaria o mundo inteiro aos pés dela, como um presente.

Porém, Alexandre sentiu-se impotente, cercado dos melhores médicos. Todos eles disseram: "Você não pode sobreviver. Essa jornada de 24 horas... você vai morrer. É melhor descansar aqui, talvez haja uma chance. Mas não se mova. Não vemos muita chance nem mesmo com o descanso, você está submergindo. Está chegando cada vez mais próximo, não da sua casa, mas da morte, não da sua casa, mas do seu túmulo. E não podemos ajudar. Podemos curar doenças, mas não podemos curar a morte. E isso não é doença. Em 33 anos você gastou toda a sua energia vital para lutar contra essa nação, aquela nação. Desperdiçou sua vida. Não se trata de doença, é só que sua energia vital está gasta, e gasta inutilmente".

Alexandre era um homem muito inteligente. Foi discípulo do grande lógico e filósofo Aristóteles, seu tutor particular. Morreu antes de chegar à capital. Antes de sua morte, disse ao seu comandante:

- Este é o meu último desejo, e tem de ser cumprido.

Qual foi seu último desejo? Um desejo muito estranho. O desejo era o seguinte:

- Quando carregarem meu caixão para o túmulo, vocês devem manter as minhas mãos penduradas do lado de fora do caixão - explicou Alexandre.

- Que espécie de desejo é esse? - perguntou o comandante. - As mãos são sempre mantidas dentro do caixão. Ninguém nunca ouviu falar de um caixão sendo carregado até o túmulo com as mãos dependuradas para fora!

- Não tenho muito fôlego para explicar a você, mas, em suma, quero mostrar ao mundo que estou indo com as mãos vazias. Achei que estava ficando cada vez maior, cada vez mais rico mas, na verdade, eu estava me tornando cada vez mais pobre. Quando nasci, vim ao mundo com os punhos cerrados, como se estivesse segurando algo nas mãos. Agora, no momento da morte, não posso ir com meus punhos fechados - esclareceu Alexandre.

Manter os punhos fechados exige vida, um tanto de energia. Nenhum homem morto é capaz de manter as mãos fechadas. Quem irá fechá-las? Um homem morto não está mais presente, toda a energia se foi, e as mãos se abrem por conta própria.

- Deixem que todo mundo saiba que Alexandre, o Grande, está morrendo com suas mãos vazias, como um simples mendigo.

E, pelo que vejo, ninguém aprendeu nada com essas mãos vazias, pois as pessoas depois de Alexandre, continuam a fazer o mesmo de formas diferentes.

 Fonte: Osho, O livro do ego: Liberte-se da ilusão, Editora BestSeller, Rio de Janeiro, 2022. ISBN: 978-85-7684-710-6.

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