domingo, setembro 24, 2023

 

A Loucura

A loucura é de dois tipos, mas a psiquiatria moderna tem conhecimento de apenas um deles. E o fato de ela não conhecer o outro tipo faz com que o seu conhecimento sobre a loucura seja muito desigual, errôneo, deficiente e prejudicial também.

O primeiro tipo de loucura de que os psiquiatras têm conhecimento corresponde a cair abaixo da mente racional. Quando a pessoa não consegue lidar com as realidades, quando as realidades são intoleráveis, quando se tornam insuportáveis, a loucura é uma maneira de fugir para o próprio mundo subjetivo, de modo que ela possa esquecer as realidades que estão presentes. Ela cria o próprio mundo subjetivo, começa a viver em uma espécie de mundo imaginário, e começa a sonhar até mesmo de olhos abertos, de modo que consiga evitar as realidades que se tornaram intolerantes e que são insuportáveis. Isso é um refúgio, a pessoa cai abaixo da mente racional. Isso é um retorno para a mente animal. Isso é mergulhar no inconsciente.

Há outras pessoas que lidam com a mesma coisa de outras maneiras. O alcoólatra lida por meio do álcool. Bebe demais, torna-se completamente inconsciente. Esquece o mundo inteiro e todos os problemas e ansiedades: a esposa, os filhos, o mercado, as pessoas. Ele passa para o seu inconsciente com a ajuda do álcool. Esse é um tipo temporário de loucura, que vai embora após algumas horas.

E sempre que há momentos difíceis no mundo, as drogas se tornam muito importantes. Depois da Segunda Guerra Mundial, as drogas se tornaram de grande importância em todo o mundo, particularmente nos países que viram a guerra, nos países que se tornaram conscientes de que as pessoas estavam sentadas em um vulcão que poderia entrar em erupção a qualquer momento. O mundo inteiro viu Hiroshima e Nagasaki sendo queimadas em questão de segundos, 100 mil pessos queimadas em cinco segundos. Agora, a realidade está difícil de suportar. E é por isso que a nova geração, a geração mais jovem, passou a se interessar por drogas.

Em tempos de estresse e tensão, as pessoas começam a usar drogas. E isso sempre foi assim. É uma maneira de criar uma loucura temporária. E por loucura quero dizer cair abaixo da mente racional, porque somente a mente racional pode estar ciente dos problemas. Ela não conhece nenhuma solução, conhece somente problemas. Assim, se os problemas são controláveis, e a pessoa consegue conviver com eles, ela permanece sã. Quando a pessoa percebe que isso se torna insuportável, ela enlouquece.

A insanidade é um processo incorporado para evitar problemas, realidades, ansiedades e situações de estresse.

As pessoas os evitam de muitas maneiras. Alguém vai se tornar alcoólatra, alguém vai tomar LSD, algúém vai fumar maconha. E há outras pessoas que não são corajosas, e que vão ficar doentes. Essas vão ter câncer, tuberculose, paralisia e, depois, podem dizer ao mundo: "O que eu posso fazer? Estou paralisada. Se não posso enfrentar as realidades, não é de minha responsabilidade. Agora estou paralisada..." ou "Se o meu negócio está degringolando, o que posso fazer? Estou com câncer".

Estas são maneiras de as pessoas protegerem o ego, maneiras pobres, maneiras lastimáveis, mas, ainda assim, maneiras de proteger o ego.

Onde quer que a vida se torne tensa em demasia, todas essas coisas vão acontecer. As pessoas vão ter doenças estranhas, doenças incuráveis. E essas doenças são incuráveis porque há um grande apoio interno à pessoa para a doença, e se a pessoa não cooperar com a medicina e com o médico, não há possibilidade de curá-la. Ninguém pode curar uma pessoa contra ela própria: é bom lembrar disso como uma verdade fundamental.

Se por parte da pessoa houver um investimento profundo no câncer, se ela quiser que o câncer esteja presente, porque a protege, isso lhe dará uma sensação de que é por causa do câncer que ela não é capaz de lutar no mercado, que ela não é capaz de competir, que é por causa do câncer. E se isso lhe dá satisfação, se esse investimento está presente, então ninguém poderá curá-la, porque ela vai continuar criando doenças. É uma doença psicológica, está enraizada em sua psicologia.

E todo mundo sabe disso. Os alunos começam a se sentir mal quando a prova se aproxima. Alguns alunos enlouquecem na hora da prova. E, após a avaliação, eles ficam bem novamente. Toda vez que têm prova, eles adoecem, com febre, com pneumonia, com hepatite, isso e aquilo. Qualquer um que observar, vai se surpreender. Por que na época de provas tantos alunos adoecem? E de repente, depois delas,  tudo volta ao normal? Isso é um truque, uma estratégia. Eles podem dizer para os pais: "O que posso fazer? Eu estava doente, foi por isso que não passei" ou "Eu estava doente, foi po isso que fiquei em terceiro. Caso contrário, a medalha de ouro com certeza seria minha". É uma estratégia.

Se a doença da pessoa é uma estratégia, então, não há como curá-la. Se o alcoolismo é uma estratégia, então, não há nenhuma maneira de curá-lo, porque a pessoa quer que o alcoolismo esteja presente. O ser humano é um criador, ele cria isso por conta própria, talvez não de forma consciente.

E, então, há a loucura, que é o último recurso. Quando tudo fracassa, eté mesmo o câncer, o álcool, a maconha, a paralisia, quando tudo realmente fracassa, o último recurso é enlouquecer.

Por isso é que a loucura acontece mais nos países do Ocidente do que no Oriente, porque no Oriente a vida ainda não é tão estressante. As pessoas são pobres, mas a vida não é tão estressante. As pessoas são tão pobres que não podem arcar com tanto estresse. As pessoas são tão pobres que não podem pagar psiquiatras, psicanalistas.

A loucura é um luxo. Só países ricos podem arcar com isso.

Esse é um tipo de loucura de que os psicólogos têm conhecimento: mergulhar abaixo da mente racional, mover-se para o inconsciente, abandonar a pouca consciência restante, que não era muita em um primeiro momento, uma vez que apenas um décimo da mente estava consciente. A pessoa estava exatamente como um iceberg, um décimo acima da superfície, nove décimos abaixo da superfície. Nove décimos de sua mente estavam inconscientes. A loucura significa abandonar aquele décimo consciente, de modo que todo o iceberg vá para baixo da superfície.

Mas há um outro tipo de loucura, também chamada assim em função de certa semelhança, que está além da mente racional comum. Uma cai abaixo da mente racional, enquanto a outra fica acima da mente racional, para cima. Em ambos os casos a mente racional está perdida: no primeiro, a pessoa fica inconsciente e, no segundo, fica superconsciente. Em ambos os casos a mente comum está perdida.

No primeiro caso, a pessoa fica totalmente inconsciente, e surge certa integridade nela. É possível observar: há certa integridade nas pessoas loucas, certa consistência, elas são uma unidade. Pode-se confiar em um louco. Ele não é dois, ele é único. É muito consistente, porque tem apenas uma mente, que é o inconsciene. A dualidade desapareceu. Além disso, é possível encontrar certa inocência em um louco. Ele é como uma criança. Ele não é astuto, não pode ser. Na verdade, ele teve de se tornar louco porque não podia se tornar astuto. Não podia lidar com um mundo astuto. Há de se encontrar certa simplicidade, certa pureza, em um louco.

Basta observar pessoas loucas para se apaixonar por elas. Elas têm uma espécie de unidade. Elas não são divididas, não são separadas, são uma unidade. É claro, elas são uma unidade contra a realidade, elas são uma unidade em seu mundo de sonhos, elas são uma unidade em suas ilusões, mas são uma unidade. A loucura tem uma consistência, uma união. Não há nenhuma dúvida nisso, é crença total.

E o mesmo vale para o caso com o outro tipo de loucura. O homem vai acima da razão, além da razão, torna-se completamente consciência, superconsciente. Na primeira loucura, o décimo que estava consciente é dissolvido nas nove partes, os nove décimos, que estavam inconscientes. Na segunda loucura, os nove décimos que não estavam conscientes começam a se mover para cima, e todos eles vêm paa a luz, acima da superfície. A mente, como um todo, se torna consciene.

Este é o significado de a palavra "Buda" tornar-se absolutamente consciente. Agora, esse homem também vai parecer louco, porque está consciente, completamente consciente. Ele estará autoconsciente, mais autoconfiante do que qualquer louco jamais poderá estar. Ele estará completamente integrado. Ele será um indivíduo, literalmente um "indivíduo", que significa indivisível. Ele não terá  nenhuma divisão.

Portanto, os dois são parecidos: o louco tem convicção e o Buda, confiança. E confiança e convicção são parecidas. O louco é uma unidade, completamente inconsciente; o Buda também é uma unidade, mas totalmente consciente. E a unicidade de ambos é semelhante. O louco abandonou a razão, o raciocínio, a mente, da mesma forma que o Buda, uma vez que ele também abandonou o raciocínio, a racionalidade, a mente. Embora isso seja semelhante, eles são polos opostos. Um caiu abaixo da humanidade e o outro se elevou acima da humanidade.

A psicologia moderna permanecerá incompleta caso não comece a estudar os Budas. Vai ficar incompleta, sua visão vai permanecer incompleta, parcial, e uma visão parcial é muito perigosa. Uma verdade parcial é muito perigosa, mais perigosa do que uma mentira, porque dá a impressão de que é o que está certo.

A psicologia moderna tem que dar um salto quântico. Tem que se tornar a psicologia dos Budas. Terá que ir fundo no sufismo, no zen, no tantra, na yoga, no tao. Somente depois é que será realmente psicologia. A palavra "psicologia" significa a ciência da alma. Portanto, ainda não é psicologia, ainda não é a ciência da alma.

Essas são as duas possibilidades: a pessoa pode ficar abaixo de si ou pode ficam acima de si.

Torne-se louco como Buda, Maomé, Cristo. Torne-se um louco como eu. E essa loucura tem uma grande beleza, porque tudo que é belo nasce dessa loucura, e tudo o que é poético flui dessa loucura. As maiores experiências da vida, os maiores ^wxtases da vida, nascem dessa loucura.

Fonte: Osho, O livro do ego: Liberte-se da ilusão, Editora BestSeller, Rio de Janeiro, 2022. ISBN: 978-85-7684-710-6. 

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