terça-feira, novembro 30, 2010

 

O Problema é a Mente

"Todas as más ações nascem na mente, e é também por meio da mente que elas podem desaparecer", Thich Nhat Hanh em Ensinamentos Sobre o Amor (Editora Sextante, 2005)

O problema-raiz de todos os problemas é a nossa própria mente.

Assim, a primeira coisa a ser compreendida é o que vem a ser a nossa mente, de que maneira ela é feita, se é uma entidade ou apenas um processo, se é substancial ou apenas um ideal. A não ser que você conheça a natureza da mente, você não poderá resolver nenhum dos problemas de sua vida.

Você pode tentar duramente, mas, se tentar resolver problemas isolados, individuais, você estará votando no fracasso - isso é absolutamente certo. Porque, na realidade, não existe problema individual: a mente é o problema. Resolver este ou aquele problema de nada adiantará porque a raiz deles permanece intocada.

É tal como cortar os galhos de uma árvore, podando as folhas, sem desenraizá-la. Novas folhas virão, novos galhos brotarão - até mais do que antes. A poda ajuda a árvore a se tornar mais espessa e forte. A menos que você saiba como arrancá-la pela raiz, sua luta será injustificada, tola. Destruirá a você mesmo, não a árvore.

Lutando, desperdiçará a sua energia, seu tempo, sua vida, e a árvore continuará tornando-se cada vez mais forte, mais espessa, mais densa. E você ficará surpreendido com o que vai acontecendo. Você trabalha tão duramente, tentando resolver este e aquele problema, e eles continuam crescendo, aumentando. E mesmo quando você consegue que um problema seja resolvido, dez outros, subitamente, ocupam o seu lugar.

Não tente resolver problemas individuais, isolados - eles não existem: a própria mente é o problema. A mente, porém, está oculta subterraneamente; por isso eu a chamo raiz, ela não é aparente. Em qualquer ocasião em que você se depara com um problema, ele está acima do solo; você pode vê-lo, por isso você é iludido por ele.

Lembre-se sempre: o visível jamais é a raiz. A raiz sempre permanece invisível, a raiz está sempre oculta. Nunca lute contra o visível, pois estará lutando contra as sombras. Será em vão, não poderá haver nenhuma transformação na sua vida. Os mesmos problemas aflorarão novamente, novamente e novamente. Observe sua própria vida e verá o que eu quero dizer. Não estou falando de teoria alguma sobre a mente, mas sobre a "artificialidade" da mente. Este é o fato: é preciso resolver a mente.

As pessoas vêm a mim e perguntam: "Como obter uma mente pacífica?" E eu lhes respondo: "Não existe tal coisa, mente pacífica. Jamais ouvi falar disso".

A mente nunca é pacífica. A "não-mente" é paz. A mente, em si mesma, nunca pode ser pacífica. A própria natureza da mente é estar tensa, confusa. A mente nunca pode ser clara, nem ter certeza, porque a mente é, por natureza, confusão, nevoeiro. A clareza é possível sem a mente - portanto, nunca tente obter uma mente silenciosa. Se o fizer, desde o início, você estará se movendo num plano impossível.

Assim, a primeira coisa a compreender é a natureza da mente e, só então, algo poderá ser feito.

Se você observar, jamais encontrará uma outra entidade parecida com a mente. Ela não é uma coisa, é apenas um processo; não é uma coisa, é como uma multidão. Pensamentos individuais existem, mas seu movimento é tão rápido que você não pode ver as brechas entre eles. Esses intervalos não podem ser vistos porque você não está consciente e alerta; você precisa de uma visão interior mais profunda. Quando seus olhos puderem ver profundamente, verá, subitamente, um pensamento, outro pensamento e ainda outro pensamento - mas não verá a mente.

Pensamentos reunidos, milhões de pensamentos, dão-lhe a ilusão de que a mente existe: como uma multidão, milhões de pessoas em pé, em multidão; há tal coisa, multidão? Você pode encontrar uma multidão separada dos indivíduos que ali estão? Mas eles estão reunidos e a reunião faz com que você sinta que existe algo que é multidão - mas só indivíduos existem.

Este é o primeiro olhar interior para a mente. Observe e encontrará pensamentos, mas nunca você deparará com a mente. E, se isso se tornar uma experiência sua, se isso se tornar um fato de seu próprio conhecimento, então, subitamente, muitas coisas começarão a se modificar.

Observe a mente e veja onde ela está, o que é. Sentirá pensamentos flutuando e intervalos. E, se observar por bastante tempo, verá que os intervalos existem em maior número do que os pensamentos, porque cada pensamento precisa estar separado de outro pensamento. De fato, cada palavra precisa estar separada de outra palavra. Quanto mais profundamente você for, mais e maiores brechas encontrará. Um pensamento flutua e, então, surge uma brecha onde não existe pensamento. Então surge outro pensamento e outra brecha se segue.

Se você estiver inconsciente, não poderá ver os intervalos, as brechas. Você saltará de um pensamento a outro e nunca verá a brecha. Se você se tornar consciente, verá cada vez mais brechas. Se você se tornar perfeitamente consciente, então, milhares de intervalos serão revelados a você.

Observe as nuvens: as nuvens movem-se e podem ser tão densas que você não consegue ver o céu azul através delas. A vasta extensão azul do céu está perdida e você está coberto pelas nuvens. Então, continue a observar: uma nuvem se move e outra ainda não chegou ao seu campo de visão - subitamente, há um ponto sem nuvem na vastidão azul do céu.

O mesmo acontece interiormente: você é a vastidão isolada do céu azul, e os pensamentos são nuvens pairando em torno de você, entrando em você. Mas os intervalos existem, o céu existe. Ter um vislumbre do céu é o que se chama satori; tornar-se o céu é samadhi. De satori a samadhi, todo o processo é uma profunda visão interior para a mente; nada mais.

Em primeiro lugar: a mente não existe como uma entidade; apenas os pensamentos existem.

Em segundo lugar: os pensamentos existem separados de você; eles não são ligados à sua natureza. Eles vêm e vão - e você permanece, você persiste. Você é como o céu azul: nunca vem, nunca vai, está sempre ali.

As nuvens (pensamentos) podem ir e vir, são fenômenos momentâneos, não são eternas. Mesmo que você tentasse se agarrar a um pensamento, você não o poderia reter por muito tempo. Ele tem de ir, tem seu próprio nascimento e morte. Os pensamentos não são seus, não lhe pertencem. Chegam como visitantes, hóspedes, mas não são o hospedeiro.

Observe profundamente e você se tornará o hospedeiro e terá os pensamentos como hóspedes. Como hóspedes, eles são belos; mas se você esquece completamente que é o hospedeiro, eles se tornam os hospedeiros e você fica em confusão. Isso é o inferno. Você é o dono da casa, a casa lhe pertence, mas os hóspedes se tornam os donos. Receba-os, cuide deles, mas não se identifique com eles; senão, eles se farão senhores.

A mente torna-se problema porque você tomou os pensamentos tão profundamente, dentro de você, que esqueceu por completo a distância, o fato de eles serem visitantes, de irem e virem. Lembre-se, sempre, do que é duradouro: o que é a sua natureza, seu Tao. Fique sempre atento ao que nunca vem e nunca se vai, tal como o céu. Mude a gestalt: não faça dos visitantes o seu foco; permaneça enraizado no hospedeiro. Os visitantes vão e vêm.

Há, naturalmente, bons e maus visitantes, mas você não precisa preocupar-se com eles. Um bom hospedeiro trata todos os hóspedes da mesma maneira, sem fazer distinções. Um bom hospedeiro é apenas um bom hospedeiro: quando um mau pensamento surge, ele trata o mau pensamento da mesma forma como trataria um bom pensamento. Não é de sua competência julgar o pensamento bom ou mau.

O que você está fazendo quando distingue este pensamento como bom e aquele como mau? Você está trazendo o bom pensamento para mais junto de você, e empurrando para longe o mau pensamento. Mais cedo ou mais tarde, você estará identificado com o bom pensamento, que passará a ser o hospedeiro. E qualquer pensamento, quando se torna hospedeiro, cria sofrimento - porque não é a verdade. O pensamento é um simulador, e você se identifica com ele. A identificação é doença.

Gurdjieff costumava dizer que só uma coisa é necessária: não se identificar com o que vem e vai. A manhã vem, depois dela vem o meio-dia, vem a tarde, e todos se vão. Chega a noite e, novamente, a manhã. Você permanece - não como você, porque isso também é um pensamento, mas como pura percepção. Não o seu nome, porque isso também é um pensamento, não sua forma, porque isso também é um pensamento; não seu corpo, porque um dia compreenderá que também ele é um pensamento. Apenas pura percepção, sem nome, sem forma: somente a pureza, somente o que não tem forma nem nome, somente o próprio fenômeno de estar consciente - só isso é duradouro.

Se você se torna identificado, torna-se mente. Se se torna identificado, torna-se corpo. Se você se torna identificado, torna-se um nome e uma forma e, então, o hospedeiro está perdido. Você esquece o eterno e o momentâneo torna-se o importante. O momentâneo é o mundo, o eterno é Divino.

Esta é a segunda visão interior a ser obtida: a de que você é o hospedeiro e os pensamentos são os hóspedes.

O terceiro passo, se você continuar observando, depressa será compreendido. O terceiro passo diz que os pensamentos são estrangeiros, intrusos, estranhos. Nenhum pensamento é seu. Eles sempre vêm de fora; você é apenas uma passagem para eles. Um pássaro entra numa casa por uma das portas, e sai, voando, por uma outra. É exatamente assim que os pensamentos vêm e saem de você.

Você continua a pensar que os pensamentos são seus. Não só isso; também luta pelos seus pensamentos, dizendo: "Este é o meu pensamento, esta é a verdade". Discute, debate, argumenta, tenta provar que "isto é o meu pensamento". Nenhum pensamento é seu, nenhum pensamento é original - todos os pensamentos são empréstimos. E não são apenas de segunda mão, porque antes que os fizesse milhões de pessoas já reivindicaram esses mesmos pensamentos. O pensamento é algo tão exterior como um objeto.

O grande físico Eddington disse, algures, que, quanto mais profundamente se entra por um assunto, mas se vai compreendendo que as coisas são pensamentos. Eddington pode estar certo, quando diz que as coisas se parecem mais e mais com pensamentos, à proporção que nos aprofundamos, mas, por outro lado, eu gostaria de dizer-lhe que, se você se aprofundar em si mesmo, os pensamentos parecerão coisas, cada vez mais. Na verdade, são dois aspectos do mesmo fenômeno: uma coisa é um pensamento e um pensamento é uma coisa.

Quando digo que um pensamento é uma coisa, o que eu estou querendo dizer? Quero dizer que você pode lançar seu pensamento, tal como lança um objeto - uma pedra, por exemplo. Você pode ferir uma pessoa com um pensamento, tal como o faria com um objeto. Pode matar uma pessoa por meio do pensamento, tal como se atirasse um punhal. Você pode dar seu pensamento como uma dádiva ou como uma infecção. Pensamentos são coisas, são forças, mas não lhe pertencem. Vêm, permanecem durante algum tempo com você e depois o deixam. O Universo todo está cheio de pensamentos e coisas. As coisas são somente a parte física dos pensamentos, e os pensamentos são a parte mental das coisas.

Nossa mente é estruturada pelo meio social em que vivemos, geralmente de forma distorcida. Devido a isso, o uso da mente normalmente ocorre de forma inadequada. Nossa sociedade está organizada de uma forma em que se enfatiza a competição, ao invés da colaboração entre os habitantes. A mente, atuando dessa forma competitiva, irá tornar a nossa vida um inferno, ao invés de a tornar um paraíso.

Pelo fato de os pensamentos serem coisas, muitos milagres acontecem. Se uma pessoa pensa constantemente em você e em seu bem-estar, isso virá porque essa pessoa estará continuamente lançando forças benéficas sobre você. É por isso que as bênçãos são úteis, auxiliadoras. Se você puder ser abençoado por alguém que atingiu a não-mente, a bênção será verdadeira, porque um homem que nunca usa pensamentos acumula a energia do pensamento, de forma que, o que quer que ele diga, será algo verdadeiro.

Na tradição oriental, antes de uma pessoa começar a aprender a não-mente, ensinam-se técnicas, dando muita ênfase ao fato de que ela deve deixar de ser negativa, porque, uma vez atingida a não-mente, se a tendência dessa pessoa permanece negativa, ela pode tornar-se uma força perigosa. Antes que a não-mente seja atingida, a pessoa deve tornar-se absolutamente positiva. Aí reside toda a diferença entre a magia branca e a magia negra.

A magia negra nada mais é do que um homem que acumulou energia de pensamento sem, primeiro, rejeitar sua negatividade. E a magia branca nada mais é do que um homem que obteve muita energia de pensamento e baseou seu eu total numa atitude positiva. A mesma energia, possuindo negatividade, torna-se negra. Idêntica energia, com positividade, torna-se branca. Um pensamento é uma grande força; é uma coisa.

Muitas vezes você pensa sobre alguém e esse alguém aparece. Você pensa que se trata de uma coincidência. Não é uma coincidência. Na verdade, não existe isso a que chamam coincidência; tudo tem sua causa. Seus pensamento não cessam de construir um mundo em torno de você.

Seus pensamentos são coisas, portanto, tenha cuidado com eles. Maneje-os cuidadosamente. Se você não estiver muito consciente, você pode criar sofrimento para você mesmo e para os outros - e você já fez isso. E, lembre-se, quando você cria sofrimento para alguém, inconscientemente está, ao mesmo tempo, criando sofrimento para você mesmo - porque um pensamento é uma espada de dois gumes. Você se corta, simultaneamente, quando corta alguma outra pessoa.

Sua mente é uma tagarela.
Você está irradiando coisas, desnecessariamente.
Você está destruindo pessoas em torno de você.
Está destruindo a você próprio.
Você é um perigo - constantemente irradiando coisas negativas.

E muitas coisas estão acontecendo por sua causa. E isso é, também, uma grande rede: o mundo inteiro, a cada dia, está se fazendo mais sofredor, porque é sempre maior o número de pessoas que vivem na terra, e elas irradiam cada vez maior volume de pensamentos negativos.

[continua]

Fonte: Osho, Tantra: A Suprema Compreensão, Editora Cultrix, 1992.

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