quarta-feira, setembro 27, 2023

 

Como resolver problemas do ego

 A primeira coisa a ser entendida é que nenhum problema enraizado no ego pode ser solucionado sem que se transcenda o ego. Pode-se protelar o problema, pode-se conceder um pouco de normalidade, pode-se criar um pouco de normalidade em relação a ele, pode-se diluir o problema,  mas não se pode solucioná-lo. Pode-se fazer com que o homem funcione de forma mais eficiente na sociedade através da psicanálise, mas ela nunca dá solução a um problema. E sempre que um problema é protelado, alterado, cria um outro problema. Ele simplesmente muda de lugar, mas permanece presente. Uma nova erupção virá, mais cedo ou mais tarde, e quando a nova erupção do velho problema ocorrer, será mais difícil protelá-lo e alterá-lo.

A psicanálise é um alívio temporário, porque ela não pode conceber nada que transcenda o ego. Um problema pode ser solucionado somente quando a pessoa pode ir além dele. Se ele não puder ir além dele, então, ela é o problema. Nesse caso, quem vai solucioná-lo? Como alguém poderá solucioná-lo? Portanto, a pessoa é o problema, ou seja, o problema não é algo separado dela.

Yoga, tantra e todas as técnicas de meditação baseiam-se em um fundamento diferente. Dizem que os problemas estão presentes, que os problemas estão em torno da pessoa, mas que a pessoa nunca é o  problema. A pessoa pode transcendê-los, pode olhar para eles como um observador que olha de cima da colina para o vale embaixo.

Esse ser que observa a si mesmo pode ser uma solução para o problema. Realmente, apenas testemunhar um problema já é metade da solução, pois quando a pessoa pode testemunhar um problema, quando pode observá-lo  de forma imparcial, quando não está envolvida nele, ela pode estar ao lado e olhar para o problema. A própria clareza que vem desse testemunho lhe dá a pista, a chave secreta. E quase todos os problemas estão lá, porque não há uma forma clara pra compreendê-los.

Soluções não são necessárias. O que se necessita é clareza.

Um problema devidamente compreendido está resolvido, porque um problema surge através de uma mente que não compreende.

Você cria o problema porque não o compreende. Então, a questão não é solucionar o problema, a questão é criar maior compreensão. E se houver maior compreensão e maior clareza, e o problema puder ser enfrentado de forma imparcial, observado como se não pertencesse a você, como se pertencesse a outra pessoa, se você puder criar uma distância entre o problema e você - somente então o problema poderá ser resolvido. 

A meditação cria uma distância, dá à pessoa uma perspectiva. Ela vai além do problema. O nível de consciência muda.

Através da psicanálise a pessoa permanece no mesmo nível. O nível nunca muda, a pessoa está ajustada no mesmo nível novamente. Sua percepção, sua consciência, sua capacidade de testemunhar não mudam. À medida que  entra na meditação, ela se desloca cada vez mais alto. E pode olhar de cima para seus problemas. Eles agora estão no vale, e a pessoa se deslocou para uma colina. A partir dessa perspectiva, dessa altura, todos os problemas parecem diferentes. E quanto mais a distância cresce, mais a pessoa se torna capaz de observá-los, como se eles não lhe pertencessem.

É bom lembrar que quando um problema não lhe pertence, você sempre pode dar conselhos de como resolvê-lo. Quando o problema pertence a outra pessoa, quando é o outro que está com dificuldade, você é sempre sábio, e pode dar conselhos muito bons. No entanto, se o problema pertence a você mesmo, você simplesmente não sabe o que fazer. O que aconteceu? O problema é o mesmo, mas agora é você que está envolvido nele. Quando se tratava de um problema de outra pessoa, você tinha uma distância a partir da qual podia olhar para o problema de forma imparcial. Todo mundo é bom conselheiro para os outros, mas quando acontece consigo mesmo, toda a sabedoria é perdida em função da perda do distanciamento.

Alguém morreu e a família encontra-se angustiada: uma pessoa que não é da família pode dar bons conselhos. Pode dizer que a alma é imortal, pode dizer que nada morre e que a vida é eterna. No entanto, quando morre alguém que essa pessoa ama, que significa algo para ela, que era próxima, íntima, ela bate no peito sem parar de chorar. Agora ela não consegue dar o mesmo conselho para si, ou seja, que a vida é imortal e que ninguém nunca morre. Agora isso parece absurdo.

Portanto, é bom que as pessoas lembrem que elas podem fazer papel de bobas quando estiverem aconselhando os outros. Quando uma pessoa diz a alguém cujo ente querido morreu que a vida é imortal, ele vai achar isso estúpido.  A pessoa está falando um absurdo para ele. Ele sabe qual é a sensação de perder um ente querido. Nenhuma filosofia pode dar consolo. E ele sabe por que a pessoa está dizendo isso: porque o problema não é dela. A pessoa pode se dar o luxo de utilizar sua sabedoria,  ele, não.

Atraves da meditação a pessoa transcende seu eu comum.

Surge uma nova questão para ela, a partir da qual pode olhar para as coisas de uma maneira nova. É criada a distância. Os problemas estão lá, mas agora estão muito longe, como se acontecessem com outro alguém. Embora agora ela possa dar bons conselhos a si mesma, não há necessidade. A própria distância vai torná-la uma pessoa sábia.

Assim, toda a técnica de meditação consiste em criar uma distância entre os problemas e a pessoa.

Em um determinado momento ela se encontra tão envolvida com seus problemas que não consegue pensar, não consegue contemplar, não consegue enxergar através deles, não consegue testemunhá-los.

A psicanálise ajuda somente no reajuste. Não é uma transformação, isso é uma coisa.

E a outra coisa é: na psicanálise a pessoa se torna dependente.

As pessoas  precisam de um especialista, e o especialista vai fazer tudo. Vai levar três anos, quatro anos, ou até cinco anos, se o problema for muito profundo, e a pessoa vai se tornar dependente, não vai crescer. Em vez disso, pelo contrário, ela se tornará cada vez mais dependente. Vai precisar desse psicanalista todo dia, ou duas ou três vezes por semana. Ao sentir falta dele, passará a se sentir perdida. Se parar a psicanálise, se sentirá perdida. A psicanálise se torna intoxicante, torna-se viciante.

Ela começa a ser dependente de alguém, alguém que é um especialista. Ela pode lhe contar seu problema e ele vai solucioná-lo. Ele vai discuti-lo, e trará as raízes inconscientes do problema. Mas ele irá realizar isso, ou seja, a solução vai ser feita por outro alguém.

É importante lembrar que um problema resolvido por terceiros não vai dar mais maturidade à pessoa. Um problema resolvido por um terceiro pode dar alguma maturidade a ele mesmo, mas não pode dar maturidade à pessoa, que pode se tornar mais imatura. Portanto, sempre que houver um problema, ela vai precisar de algum conselho de um especialista, algum conselho profissional. E não acho que mesmo os psicanalistas amadureçam através dos problemas dos outros, uma vez que eles também fazem psicanálise como pacientes de outros psicanalistas. Eles têm seus próprios problemas. Eles resolvem os problemas das pessoas, mas não conseguem resolver os próprios problemas. Novamente é a questão do distanciamento.

O próprio Wilhelm Reich tentou, repetidas vezes, ser analisado por Sigmund Freud. Freud recusou-se a nalisá-lo, e ele, então, a vida inteira, sentiu-se magoado por ter sido recusado por Freud. E os freudianos, freudianos ortodoxos, nunca aceitaram Reich como especialista, porque ele nunca fez psicanálise como paciente.

Todo psicanalista vai a outro especialista para cuidar dos próprios problemas. É o que ocorre com a profissão médica. Se o médico está doente, ele não pode diagnosticar em causa própria. Ele está tão próximo que tem medo, então ele vai a outro médico. O cirurgião não pode operar o próprio corpo, ou pode? Não há distanciamento. É difícil operar o próprio corpo. Mas também é difícil quando a esposa está realmente doente e tem que ser feita uma cirurgia séria. Nesse caso, ele não pode realizar a cirurgia, porque sua mão vai tremer. O grau de intimidade é tão grande que ele terá medo, e não poderá ser um bom cirurgião. Ele vai ter que aceitar conselhos, e chamar algum outro cirurgião para realizar a cirurgia da esposa. 

O que está acontecendo? Ele está na ativa, tem feito muitas cirurgias. E, agora, o que está acontecendo? Não pode fazer isso no filho ou na esposa, porque o distanciamento é muito pequeno, na verdade, é como se não houvesse distância, Sem distanciamento, o médico não consegue ser imparcial. Dessa forma, um psicanalista pode ajudar os outros, mas quando ele estiver com problemas, terá que aceitar conselhos, terá que ser analisado por outro psicanalista. E é realmente estranho que até uma pessoa como Wilhelm Reich tenha enlouquecido no final.

Veja a vida de Sigmund Freud. Ele é o pai e fundador da psicanálise, ele prosseguiu falando sobre problemas de forma muito profunda. Entretanto, na visão dele, nem um único problema foi solucionado. Nem um único problema solucionado! O medo era um problema tão grande para Freud como para ninguém mais. Ele era muito medroso e nervoso. A ira era um problema tão grande para ele como para ninguém mais. Ele ficava tão irritado que chegava a perder os sentidos quando tinha um acesso de raiva. E, embora esse homem conhecesse muito sobre a mente humana, quando era ele que estava em causa, esse conhecimento parecia inútil.

O próprio Jung desmaiava quando estava com ansiedade profunda, ele também tinha ataques. Qual é o problema? O problema está no distanciamento. Eles pensavam sobre os problemas, mas não tinham se desenvolvido na conscientização. Eles pensavam intelectualmente, profundamente, de forma lógica, e concluíram alguma coisa. Às vezes, essas conclusões podiam estar certas, mas não é essa a questão. Eles não se desenvolveram na conscientização, não se transformaram de forma alguma em um super-homem. E, a menos que a pessoa transcenda a humanidade, os problemas não podem ser resolvidos, podem apenas ser ajustados.

Freud disse, nos últimos dias de vida, que o homem é incurável. No máximo, pode-se ter esperança de que ele possa se ajustar; nada mais que isso. Esse é o máximo! O homem não pode ser feliz, fiz Freud. No máximo, pode-se arranjar uma forma para que ele não seja muito infeliz. Isso é tudo. Mas ele não pode ser feliz, ele é incurável. Que tipo de solução pode vir desse tipo de atitude? E isso após uma experiência de quarenta anos com seres humanos! Ele conclui que o homem não pode ser ajudado, que o homem é naturalmente - ou seja, por natureza - infeliz, e que continuará infeliz.

Mas no Oriente [yoga] é dito que o homem pode ser trancendido. Não é o homem que é incurável, é sua consciência mínima (muito pequena) que cria os problemas. O crescimento da consciência, o aumento da consciência, contribui com a redução dos problemas. Eles existem na mesma proporção; se há um mínimo de consciência, há um máximo de problemas; se há um máximo de consciência, há um mínimo de problemas.

Com consciência total, os problemas simplesmente desaparecem, da mesma forma que o sol nasce de manhã e as gotas de orvalho desaparecem. Com a consciência total não há problemas, porque, com ela, os problemas não podem surgir. No máximo, a psicanálise pode ser uma cura, mas os problemas vão continuar a aparecer, pois ela não atua de forma prevventiva.

A meditação (yoga) vai a uma profundidade maior. Ela muda a pessoa, de modo que não possam ocorrer problemas. A psicanálise lida com os problemas, ao passo que a meditação lida com a pessoa, diretamente, sem se preocupar nem um pouco com os problemas. É por isso que o maior dos psicólogos orientais - Buda, Mahavira ou Krishna - não fala sobre problemas. Devido a isso, a psicologia ocidental acha que a psicologia é um fenômeno novo. Mas não é!

Somente na primeira metade do século XX, pode ser provado cientificamente, por Freud, que existe algo como o inconsciente. Porémj, Buda falava sobre isso 25 séculos antes. No entanto, Buda nunca procurava solucionar qualquer problema, porque, segundo dizia, os problemas eram infinitos. Aquele que for combater todos os problemas nunca será realmente capaz de resolvê-los. É preciso lidar com o próprio homem. E simplesmente esquecer os problemas.

Lidar com o próprio ser e ajudá-lo a crescer. À medida que o ser cresce, à medida que se torna mais consciente, os problemas vão se soltando e a pessoa não precisa se preocupar com eles.

Por exemplo, uma pessoa é  esquizofrênica, rachada, dividida. A psicanálise irá lidar com essa divisão, vai fazer com que essa divisão possa ser trabalhada, vai ajustar esse homem para que ele possa ter um comportamento normal, de modo que ele possa viver em sociedade de forma tranquila. A psicanálise enfrentará o problema, a esquizofrenia. Caso esse homem venha a Buda, Buda não falará sobre o estado esquizofrênico. Ele dirá: "Medite para que o seu ser interior se torne único. Quando o ser interior se tornar único, a divisão vai desaparecer na periferia". A divisão está lá, mas não é a causa, é só o efeito. Em algum lugar profundo no ser há uma dualidade, e ela provocou a rachadura na periferia.

Cimenta-se a rachadura, mas a divisão interna permanece. Depois, a rachadura vai aparecer em algum outro lugar. Então, cimenta-se essa outra rachadura e, em seguida, em algum outro lugar ela aparecerá. Portanto, ao se tratar um problema psicológico, surge imediatamente outro problema e, depois, trata-se outro e surge um terceiro. 

Isso é bom na opinião dos profissionais, porque eles vivem fora disso. Mas isso não serve de ajuda.

No Ocidente, será necessário ir além da psicanálise, e a menos que o Ocidente obtenha os métodos de crescimento da consciência, de crescimento interior do ser, de expansão da consciência, a psicanálise não pode servir de muita ajuda.

Não me preocupo com os problemas das pessoas. Há milhões, e é simplesmente inútil solucioná-los, porque as pessoas são as criadoras e permanecem intocadas. Eu resolvo um problema e a pessoa cria outros dez. A pessoa não pode ser derrotada, porque o criador permanece atrás dos problemas. E enquanto continuo resolvendo problemas, apenas desperdiço minha energia.

Vou colocar de lado os problemas das pessoas, vou simplesmente penetrá-los. O criador deve ser mudado. E, uma vez mudado o criador, os problemas na periferia se soltam. Agora ninguém está cooperando com eles, ninguém está ajudando a criá-los, ninguém está desfrutando deles. As pessoas podem achar esta palavra estranha, mas devem lembrar bem que desfrutam de seus problemas, e que é por isso que elas os criam. Elas gostam de seus problemas por muitos motivos.

[continua]

Fonte: Osho, O livro do ego: Liberte-se da ilusão, Editora BestSeller, Rio de Janeiro, 2022. ISBN: 978-85-7684-710-6. 

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