quinta-feira, agosto 15, 2024

 

Mente, Psicanálise e Meditação

No Ocidente, a psicanálise surgiu e se desenvolveu graças a Freud, Adler, Jung e Wilhelm Reich, para solucionar problemas oriundos da mente, como as frustações, os conflitos, a esquizofrenia e a loucura. Fazendo uma comparação com as técnicas de meditação, você poderia explicar as contribuições, limitações e deficiências do sistema de psicanálise com relação aos problemas humanos enraizados na mente?

Osho: Primeiro é preciso entender que nenhum problema enraizado na mente pode ser solucionado sem que se transcenda a mente. Você pode postergar o problema, pode devolver à pessoa uma certa normalidade, pode diluir o problema, mas não pode solucioná-lo. Você pode fazer com que a pessoa viva melhor em sociedade por meio da psicanálise, mas a psicanálise nunca resolve o problema. E sempre que um problema é postergado, é desviado, ele cria outro problema. Ele simplesmente muda de lugar, mas não desaparece. Ele irromperá novamente mais cedo ou mais tarde, e cada vez que isso acontece ficará mais difícil postergá-lo ou se desviar dele.

A psicanálise é um alívio temporário, porque ela é incapaz de conceber qualquer coisa que transcenda a mente. Um problema só pode ser resolvido quando você vai além dele. Se você não pode ir além dele, então você é o problema; ele não é algo que está separado de você.

A Ioga, o Tantra e todas as técnicas de meditação se baseiam numa premissa diferente. Eles dizem que os problemas estão do lado de fora, estão em torno de você, você nunca é o problema. Você pode transcendê-los; você pode olhar para eles como um observador olha para um vale, do alto de uma montanha. Este "eu testemunha" pode solucionar o problema. Na verdade, só testemunhar o problema já é quase o suficiente para resolvê-lo, pois, quando você testemunha um problema - quando você consegue observá-lo imparcialmente, quando não se vê envolvido por ele -, você é capaz de dar um passo para trás e olhar melhor para ele. A própria clareza que advém do testemunho dá a você uma indicação, uma chave secreta. E quase todos os problemas se originam da falta de clareza para entendê-los. Você não precisa de soluções, você precisa de clareza.

O problema entendido da maneira correta se resolve naturalmente, pois ele surge por meio da mente que não compreende. Você cria o problema porque você não compreende. Portanto, o básico não é solucionar o problema; o básico é criar mais entendimento. Com mais compreensão, com mais clareza, o problema pode ser encarado com mais imparcialidade - observando como se ele não pertencesse a você e, sim, a outra pessoa. O problema só será resolvido quando você conseguir criar uma distância entre você e o problema.

A meditação cria uma certa distância, dá a você uma perspectiva. Você vai além do problema. O seu nível de consciência muda. Com a psicanálise você continua no mesmo nível. O seu nível nunca muda; você volta a se ajustar ao mesmo nível. A sua percepção, a sua consciência, a sua capacidade de testemunhar não mudam. Quando você entra em meditação (sintonia com o divino), você voa cada vez mais alto. Você consegue olhar os problemas de um nível mais alto. Os problemas agora estão no vale e você, no alto de uma montanha. Dessa perspectiva, dessa elevação, todos os problemas parecem diferentes. E quanto maior é essa distância, mais capaz você é de observá-los como se não lhe pertencessem. 

Lembre-se de uma coisa: quando um problema não lhe pertence, você consegue dar bons conselhos sobre como resolvê-lo. Quando o problema pertence a outra pessoa, quando alguém mais está em dificuldade, você sempre consegue demonstrar sabedoria. Você consegue dar bons conselhos; mas se o problema lhe pertence, você fica simplesmente sem saber o que fazer. O que acontece? O problema é o mesmo, mas você não está envolvido. Quando se trata do problema de outra pessoa, existe um certo distanciamento que lhe permite encará-lo com imparcialidade. Todo mundo é bom conselheiro quando o problema é dos outros, mas, quando o problema é seu, toda sabedoria se perde porque não há distanciamento.

Alguém morreu e a família está angustiada: você consegue dar bons conselhos. Consegue dizer que a alma é imortal, que ninguém morre de fato, que a vida é eterna. Mas, quando morre alguém que você ama, que significa muito para você, alguém próximo, íntimo, você se debulha em lágrimas. Você não consegue ser um bom conselheiro para si mesmo - dizer que a vida é imortal e ninguém morre. Isso fica parecendo absurdo.

Portanto, lembre-se, quando você está aconselhando os outros, você pode parecer um bobalhão. Se disser a alguém, que acabou de perder um ente querido que a vida é eterna, essa pessoa vai pensar que você é um idiota. Para ela você está dizendo bobagem. Ela sabe o quanto é duro perder um ser amado. Nenhuma filosofia vai lhe dar consolo. E ela sabe por que você está dizendo isso - porque o problema não é seu. Você pode bancar o sábio, mas ela não pode.

Por meio da meditação, você transcende o seu ser ordinário. Surge em você um novo platô, de onde você pode olhar as coisas de uma maneira nova. Cria-se uma distância. Os problemas continuam a existir, mas eles estão muito longe agora, como se acontecessem a outra pessoa. Agora você pode dar bons conselhos a si mesmo, embora isso nem seja necessário. A própria distância já faz com que você fique mais sábio.

Portanto, toda a técnica da meditação consiste em criar uma distância entre os problemas e você. Neste momento, do jeito quoe está, você está tão enredado nos seus problemas que você não consegue pensar, não consegue contemplar, não consegue exergar através deles e nem testemunhá-los.

A psicanálise só propicia um reajustamento. Ela não é uma transformação; esse é um ponto importante. Outro ponto: com a psicanálise, você fica dependente. Precisa de um especialista e esse especialista fará tudo. Ela durará três anos, quatro anos ou até cinco anos, se o problema for muito profundo, e você se tornará apenas um dependente - não estará crescendo. Pelo contrário, você estará se tornando cada vez mais dependente. Precisará dessa psicanálise todo dia, ou duas vezes por semana, ou três vezes por semana. Se perder uma sessão, você ficará perdido. Se interromper o tratamento, você ficará perdido. Ele se torna intoxicante, torna-se alcoólico. Você começa a depender de uma outra pessoa - alguém que é especialista. Você pode contar a essa pessoa o seu problema e ela o resolverá. Vocês discutirão a respeito e ela trará à tona as raízes inconscientes. Mas a outra pessoa fará tudo; a solução será dada por outra pessoa.

Lembre-se, um problema resolvido por outra pessoa não irá lhe proporcionar mais maturidade. Um problema resolvido por outra pessoa pode dar a ela mais maturidade, mas não a você. Você pode ficar mais imaturo ainda; depois disso, sempre que você tiver um problema, você vai precisar do conselho de um especialista, de um profissional. E eu acho que os seus problemas não trazem maturidade nem para os psicanalistas, porque eles fazem psicanálise com outros psicanalistas. Eles têm os seus próprios problemas não resolvidos. Eles solucionam os problemas de você, mas eles não conseguem resolver os próprios problemas. Mais uma vez, é uma questão de distanciamento.

Todo psicanalista procura outra pessoa para resolver os seus próprios problemas. Ele é como qualquer outro profissional de saúde. Se o próprio médico fica doente, ele não consegue se autodiagnosticar. A doença está tão próxima que ele fica com medo de errar e procura outra pessoa. Se você é cirurgião, você não pode operar o seu próprio corpo - ou pode? Não há distância. Não é fácil operar o próprio corpo. Mas também não é fácil ver a sua esposa muito doente, precisando passar por uma cirurgia delicada - você não pode operá-la porque a sua mão irá tremer. A intimidade é tão grande que você ficaria aterrorizado; não seria um bom cirurgião neste caso. Você teria que pedir a outra pessoa que operasse a sua mulher.

Por que isso acontece? Você é um bom cirurgião, já fez muitas cirurgias. Mas não pode operar nem a sua mulher e nem o seu filho, pois a distância não é grande o suficiente - é como se não houvesse distância nenhuma, e sem essa distância é impossível ser imparcial para resolver o problema. Por isso o psicanalista pode ajudar outras pessoas, mas precisa procurar ajuda, precisa de outro psicanalista, quando está com seus próprios problemas.

É estranho pensar que até uma pessoa como Wilhelm Reich tenha enlouquecido no fim da vida. Não dá para pensar em Gautama Buda ficando louco - acha que dá? Se alguém como Buda pudesse enlouquecer, então não haveria como escaparmos desse sofrimento. É inconcebíver pensar em Buda ficando louco.

Veja a vida de Sigmund Freud. Ele é o pai e fundador da psicanálise; estudou profundamente os problemas. Mas, no que diz respeito a ele próprio, nem um único problema foi solucionado. Nem um único problema foi solucionado! O medo era um problema para ele, assim como é para todo mundo. Ele tinha muito medo e estava sempre nervoso. A raiva também era um problema para ele, assim como é para qualquer pessoa. Os seus acessos de raiva eram tão fortes que ele chegava a ter síncopes. Esse homem sabia muito sobre a mente humana, mas, quando se tratava dele próprio, esse conhecimento parecia inútil.

Jung também saía de si quando estava muito preocupado; ele costumava ter ataques. Qual era o problema? A distância é sempre o problema. Eles viviam pensando em problemas, mas não tinham ampliado a sua consciência. Eles pensavam de modo intelectual, racional, lógico, e chegavam a uma conclusão.Às vezes essas conclusões podiam estar corretas, mas não é esse o ponto. Eles não cresceram do ponto de vista da consciência, não transcenderam em nenhum sentido. E, a menos que você transcenda, os problemas não podem ser resolvidos; eles só podem ser ajustados.

Freud disse, nos últimos dias da sua vida, que o homem é incurável. Segundo ele, podemos esperar, no máximo, que ele seja um ser ajustado; não nos resta outra esperança. Isso é o máximo! O homem não pode ser feliz, ele disse. Podemos, na melhor das hipóteses, dar um jeito para que ele não seja tão infeliz. Isso é tudo. Que tipo de solução pode resultar de uma atitude dessas? E ele disse isso depois de quarenta anos de experiência com seres humanos! Concluiu que não há nada que se possa fazer pelo ser humano, que somos infelizes por natureza e permaneceremos sempre nessa condição.

Do ponto de vista da meditação, não é o ser humano que é incurável; é a nossa consciência pequeníssima que cria todos os problemas. Expanda a consciência, aumente a consciência e os problemas irão diminuir. Eles existem na mesma proporção: se existir pouca consciência haverá muitos problemas; e se existir muita consciência, haverá poucos problemas. Com consciência total, os problemas simplesmente desaparecem, como o sol nasce pela manhã e seca as gotas de orvalho. Com consciência total, não existem problemas, pois eles nem sequer aparecem. A psicanálise pode, no máximo, ser uma cura, mas os problemas vão continuar surgindo, pois ela não é profilática.

[continua]

Fonte consultada:  Osho, O Livro da sua Vida - Crie o seu próprio caminho para a liberdade, Editora Pensamento-Cultrix, 2019. ISBN: 978-85-316-0975-6



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