sábado, janeiro 15, 2011

 

No Centro e Na Periferia

"Meditação nada mais é do que um artifício para que você descubra a si mesmo", Osho

O corpo, em si, não é nada. Ele torna-se luminoso em função de algo que está por trás dele. A glória não está no corpo em si, ele é apenas um anfitrião. Sua glória decorre do hóspede que ele abriga. Esquecer-se do hóspede é pura indulgência. Lembrar-se é amar o seu corpo, e celebrá-lo passa a fazer parte do culto ao corpo.

O atual culto ao corpo não tem sentido. As pessoas procuram comida saudável, massagens, rolfing e mil e uma coisas que possam dar algum significado à vida. Mas olhe nos olhos das pessoas: há um grande vazio nelas. Dá para ver que elas não percebem esse significado. Não existe qualquer fragrância ali, a flor ainda não floresceu. Lá no fundo são como um deserto: estão perdidas, sem saber o que fazer. Não param de fazer coisas para o corpo, mas isso não está surtindo o efeito desejado.

Se falta o centro, então pode-se continuar decorando a periferia. Isso pode enganar aos outros, mas você não pode satisfazer a si mesmo. Pode até se enganar de vez em quando, porque nossas próprias mentiras, quando repetidas muitas vezes, começam a parecer verdades. Mas você não pode se satisfazer, não pode obter o contentamento. O homem moderno está tentando de tudo para aproveitar a vida, mas parece não haver qualquer alegria envolvida. Lembre-se: sempre que você estiver tentando aproveitar a vida, na verdade você a deixará escapar. Quando você estiver tentando alcançar a felicidade, você a deixará passar. Fazer esforço para atingir a felicidade é um absurdo, porque a felicidade já está aqui e nada pode ser "feito" para atingi-la. Não há nada a fazer, apenas permitir que ela aconteça. Ela já está acontecendo, está à sua volta, dentro, fora, só a felicidade existe. Nada mais é real. Observe, olhe atentamente este mundo, as árvores, os pássaros, as rochas, os rios, as estrelas, a Lua e o Sol, as pessoas, os animais - olhe com atenção: a existência é feita da essência da felicidade, da alegria. Ela é feita de êxtase. Não há nada a fazer quanto a isso. Seu próprio esforço de fazer pode ser uma barreira para alcançá-la. Relaxe e ela o preencherá; relaxe e a felicidade correrá ao seu encontro; relaxe e ela transbordará de você.

O homem moderno está empenhado nessa busca, tentando conseguir algo da vida, tentando agarrá-la. Isso não vai funcionar, porque o caminho não é esse. Você não pode agarrar a vida, você tem de se render a ela. Você não pode conquistar a vida. Você tem de ser corajoso a ponto de ser derrotado por ela. A derrota é uma vitória nesse caso, e o esforço para ser vitorioso, no final será apenas sua derrocada final e absoluta.

A vida não pode ser conquistada, porque a parte não pode conquistar o todo. É como se uma pequena gota de água quisesse conquistar o oceano. Sim, a gota de água pode cair no oceano e se tornar o oceano, mas não pode conquistá-lo. Na verdade, se quiser conquistá-lo, ela terá de mergulhar dentro dele, escorregar para dentro dele.

O homem moderno está tentando encontrar a felicidade, por isso se preocupa tanto com o corpo. É quase uma obsessão. Ele está fazendo um grande esforço para estabelecer algum contato com a felicidade por meio do corpo, mas isso não é possível.

A mente moderna é muito competitiva (deveríamos ser cooperativos, colaborativos e não competitivos). Não é necessário ser, de fato, apaixonado pelo corpo - isso pode ser apenas uma competição com as outras pessoas. Como os outros estão fazendo coisas, você também tem de fazer... A mente contemporânea é a mais fútil e ambiciosa que já existiu neste mundo. É muito básica e mundana. É por isso que o homem de negócios é tão onipresente. Todo o resto passou para o segundo plano, enquanto o homem de negócios, o homem que controla o dinheiro, é a realidade mais presente - os buscadores de Deus. Na Europa, os aristocratas eram a realidade mais presente - cultos, estudados, alertas, em sintonia com os sutis matizes da vida: música, arte, poesia, escultura, arquitetura, danças clássicas, línguas, o grego e o latim. O aristocrata, que tinha sido condicionado, durante séculos, pelos valores mais elevados da vida, era a realidade mais presente na Europa. Na Rússia soviética, o proletariado, os tiranizados, os oprimidos, os operários eram a realidade mais presente. No Ocidente, hoje, é o homem de negócios, aquele que controla o dinheiro.

O dinheiro é o mais competitivo dos reinos. Não é preciso ter cultura, só dinheiro. Não é preciso saber nada sobre música e poesia. Não é preciso saber nada sobre literatura, história, religião e filosofia antigas. Se tiver uma conta bancária bem grande, você é importante. Você pode comprar um Van Gogh ou um Picasso, não pelo fato de ser um Picasso, mas porque os vizinhos também compraram. Eles têm um quadro de Picasso na sala de estar: como suportar não ter um também? Talvez você nada saiba sobre arte - pode nem mesmo saber como pendurá-lo, qual é o lado certo. Pode nem ter idéia se é um Picasso autêntico. Talvez nem olhe para ele, mas, como os outros têm um e estão falando sobre Picasso, é preciso mostrar a sua cultura. O dinheiro e os vizinhos parecem ser o único critério para decidir qualquer coisa: o carro, a casa, os quadros, a decoração. As pessoas não têm uma sauna no banheiro de casa porque amam o próprio corpo, mas porque está na moda - todo mundo tem. Quem não tiver vai parecer pobre. Se alguém tem uma casa nas montanhas, é preciso ter uma também. Talvez você nem saiba o que vai fazer nas montanhas ou ache aquilo um tédio. Ou vai levar a TV para lá e assistir aos mesmos programas que você vê em sua casa. Que diferença faz o lugar onde você está sentado?

Já observou uma criança correndo, gritando, dançando sem qualquer razão em especial - sem causa? Se perguntar por que ela está tão feliz, ela não será capaz de responder. Será que é preciso ter uma causa para ser feliz? Ela ficará chocada com a sua pergunta. Dará de ombros e seguirá seu caminho, continuando a cantar e a dançar. A criança não tem nada. Não é o primeiro-ministro ou o presidente da República. Ela não possui nada - talvez algumas conchas ou pedrinhas que tenha pego na praia, isso é tudo.

A vida do homem moderno acaba quando a vida acaba. Quando o corpo chega ao fim, a pessoa também chega. Por isso as pessoas têm muito medo da morte. Por causa do medo da morte, o homem moderno está tentando de todas as maneiras prolongar a vida, às vezes por períodos absurdos. Existem pessoas que estão vegetando nos hospitais, nos asilos. Não estão vivendo: estão mortas há muito tempo. A vida está sendo mantida pelos médicos, pelos remédios, pelos equipamentos modernos. De alguma forma, estão apenas adiando a morte.

O medo da morte é imenso. Depois de partir, você irá embora para sempre e nada mais restará - porque o homem moderno só conhece o corpo, e nada mais. Se só conhece o corpo, você vai ser muito pobre. Primeiro, sempre terá medo da morte - então como vai gostar realmente da vida? O medo estará sempre presente. É a vida que traz a morte e você não consegue vivê-la plenamente. Se a morte acaba com tudo, se essa é a sua compreensão e modo de pensar, sua vida será de correria e de eterna busca. Como a morte está sempre chegando, você não pode ter paciência. Daí a mania de velocidade - tudo tem de ser feito depressa, porque a morte está se aproximando: procure fazer o máximo possível. Procure sobrecarregar seu ser com a maior quantidade possível de experiências antes de morrer porque, depois, acabou.

Isso não tem sentido e, evidentemente, causa angústia e ansiedade. Se, depois da morte do corpo, não restar mais nada, nada do que você fizer pode ser muito profundo. Nada que você fizer o satisfará. Se a morte é o fim e depois não restar mais nada, a vida não pode ter sentido ou significado. Será uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, sem significado.

O ser humano consciente sabe que está no corpo, mas não é o corpo. Ele ama o corpo, pois é o seu abrigo, sua casa, seu lar. Ele não é contra o corpo porque seria tolice ficar contra a própria casa, mas também não é materialista. É realista, mas não materialista. Ele sabe que, na morte, nada morre de fato. A morte vem, mas a vida continua. Sua vida é imortal.

Camus escreveu que o único problema metafísico real do ser humano é o suicídio. Concordo. Se o corpo é a única realidade, e não existe dentro de você nada que vá além dele, então essa é a coisa mais importante a se considerar. Por que não cometer suicídio? Por que esperar até os 90 anos? E por que sofrer com tantos problemas e infortúnios nesse meio-tempo? Se a morte é certa, por que não morrer hoje? Por que acordar outra vez amanhã de manhã? Isso parece ser em vão.

O homem moderno está constantemente correndo de um lado para outro para conseguir, de algum jeito, agarrar todas as experiências possíveis. Corre o mundo, vai de cidade em cidade, de país em país, de hotel em hotel. Nessa busca, ele corre de guru em guru, de igreja em igreja, porque a morte está chegando. Ao mesmo tempo em que há uma louca perseguição que nunca se acaba, há também a profunda preocupação de que tudo seja inútil - porque a morte irá acabar com tudo. Se a pessoa tiver vivido em ostentação ou na pobreza, se foi inteligente ou não, se foi um grande amante ou deixou de ser, que diferença faz? A morte por fim chega e nivela a todos - o sábio e o tolo, os prudentes e os pecadores, os iluminados e os estúpidos, todos vão para baixo da terra e desaparecem para sempre. Então, para que tudo isso? Que diferença faz ser alguém como Buda, como Jesus ou como Judas? Jesus morreu na cruz, Judas se matou no dia seguinte: ambos desapareceram embaixo da terra.

Por outro lado, há sempre o medo de que você possa deixar escapar algo que os outros conquistaram; há a profunda preocupação de que, mesmo que você consiga algo, nada seja obtido. Mesmo se chegar, não chegará a lugar algum, pois a morte vem e acaba com tudo.

O homem consciente vive no corpo, ama o corpo, celebra-o, mas sabe que não é o corpo. Sabe que existe algo nele que sobreviverá a todas as mortes. Sabe que existe algo nele que é eterno e que o tempo não pode destruir. Passa a sentir isso por meio da meditação, do amor, da prece. Passa a sentir isso no interior do seu próprio ser. Não tem medo da morte porque sabe o que é a vida. Não corre atrás da felicidade porque sabe que Deus está enviando milhões de oportunidades, basta que ele permita que elas aconteçam.

A vida está pronta para acontecer. Você está criando tantas barreiras, e a maior delas é querer correr atrás das coisas. Sempre que a vida chega e bate à sua porta, você não está (geralmente você está envolvido com o passado ou com o futuro). Vive correndo atrás da vida, a vida correndo atrás de você e os dois nunca se encontram.

Exista... simplesmente exista, e tenha paciência...

Fonte: Osho, Corpo e Mente em Equilíbrio, Editora Sextante, 2008. ISBN 978-85-7542-349-3.

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